Natureza

A decisão de liberar a exploração de petróleo na Margem Equatorial expõe o Brasil a sua própria contradição climática. O país, que tenta se apresentar ao mundo como potência verde, aposta, ao mesmo tempo, em uma nova fronteira de extração fóssil na Foz do Amazonas, em uma decisão que mistura cálculo econômico, pressão política e urgência fiscal.

A poucas semanas da Conferência da ONU sobre o Clima em Belém, a COP30, o gesto reconfigura a narrativa que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva pretendia vender como exemplo de liderança ambiental. Agora, o desafio é convencer o mundo de que é possível financiar o futuro explorando uma fonte de recursos e energia que, em algum momento, foi vista como do passado.

"Acredito que as exigências colocadas pelo Ibama [para autorizar a exploração] terão pouco peso na imagem internacional do Brasil, que deve sair arranhada dessa decisão, especialmente junto a parceiros que tem investido na transição energética, como a União Europeia, por exemplo", afirma Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A Petrobras anunciou nesta segunda-feira (20/10) que recebeu do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a licença de operação para perfurar um poço exploratório no bloco FZA-M-059, na Margem Equatorial, em águas profundas do estado do Amapá. O ponto fica a cerca de 500 quilômetros da Foz do Amazonas e a 175 quilômetros da costa.

Segundo a estatal, a sonda já está posicionada e a perfuração começa imediatamente, com duração prevista de cinco meses – um passo que marca o início efetivo da exploração de petróleo na região mais sensível da costa norte brasileira, após anos de discussão sobre os possíveis impactos ambientais no local.

Autorização polêmica

A nova fronteira de exploração de petróleo, contudo, é polêmica e teria sido autorizada após pressões de políticos do Norte do país, que desejariam aumentar a arrecadação, e da própria petroleira. A autorização contrasta com agenda verde do terceiro governo de Lula, que busca colocar o Brasil como líder da proteção ambiental no mundo.

O auge dessa agenda verde será a COP30, que começa em 10 de novembro. O evento reunirá chefes de Estado e de governo, cientistas, diplomatas e representantes da sociedade civil de quase 200 países para negociar novas metas de redução de emissões para conter o aquecimento global, além de abordar o financiamento climático global.

Para o Brasil, sediar a conferência é mais que uma conquista diplomática, é a chance de reafirmar seu papel de liderança ambiental, apresentar resultados concretos na preservação da Amazônia e consolidar o discurso de que o país pode ser, ao mesmo tempo, potência energética e climática.

"Desde o governo FHC, o Brasil mantém a agenda ambiental como um dos eixos de sua política externa. Com exceção do período Bolsonaro, a pauta da conservação permaneceu ativa, embora frequentemente capturada por disputas conjunturais. Ainda assim, trata-se, conceitualmente, da principal expressão do soft power brasileiro, especialmente para um país megadiverso como o Brasil", afirma José Niemeyer, professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ.

Para Niemeyer, porém, a decisão de liberar a exploração do petróleo na região pode enfraquecer a liderança brasileira nas negociações climáticas, principalmente em relação a países europeus. "Em um sistema internacional competitivo como o atual, com tendência mais ao conflito do que à cooperação, esta contradição pode ser compreendida como conjuntural, onde a ação de política externa deve, na conjuntura de hoje, suplantar a agenda de política energética."

Apesar do peso geopolítico com parceiros antigos, como a União Europeia (UE), o Brasil não foge da tônica enfrentada pelos países da região e até mesmo dos interesses econômicos dos Estados Unidos por aqui.

"A América Latina e mesmo os Estados Unidos darão menos importância a essa questão, seja porque a região tem um déficit social que, na visão de governos de esquerda mais alinhados ao desenvolvimentismo, precisa ser superado às custas do meio ambiente, seja porque, para a potência americana, essa autorização inclusive pode ser vista como um atrativo para o seu capital privado e, eventualmente, entrar em uma mesa de negociação sobre temas econômicos", diz Pedroso.

Disputa entre economia e meio ambiente?

Além da possível sombra sobre a diplomacia climática brasileira, ambientalistas ouvidos pela DW afirmam que a decisão complica a liderança do país no tema e deve agravar os desafios climáticos enfrentados.

"Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil contrariando à ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis", avalia Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

"Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias", acrescenta a especialista na nota.

Para Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, a floresta se aproxima de um ponto de não retorno, que poderá ser atingido de forma irreversível se o aquecimento global chegar a 2 °C e o desmatamento superar 20% de sua área.

"Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo. Ao contrário, deixar rapidamente os atuais combustíveis fósseis em exploração é essencial", afirma.

Para Paulo Feldmann, professor de economia da FIA Business School, a COP era a oportunidade para o Brasil firmar uma liderança, se mostrar como um líder crível na transição energética e na adoção de medidas que vão atenuar os efeitos negativos da emissão de CO2, atraindo, inclusive, novas empresas para o país, aproveitando as benesses de ser ambientalmente responsável.

"O Brasil tem todas as condições de ser um grande líder de energia limpa. Poderíamos assumir a liderança desse tema, ser um exemplo para o mundo, e isso é muito importante, porque há países, principalmente na Europa, que estão muito preocupados com a questão e estão pensando em transferir suas fábricas para países que tomam cuidado com a emissão de CO2", destaca.

Agentes do mercado financeiro viram a autorização para a exploração com bons olhos, no entanto. Segundo a casa de análises Ativa Research, as reservas da Petrobras, fontes do maior produto exportado pelo país atualmente, têm um horizonte de cerca de dez anos apenas, tornando o início da exploração na Margem Equatorial estratégica para o longo prazo.

"A notícia amplia o potencial exploratório futuro e reforça o posicionamento da Petrobras em uma região com geologia similar à da Guiana, onde recentes descobertas impulsionaram a produção local e o interesse internacional", disse a empresa, em relatório.

Vinicius Pereira – DW

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